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Sociólogo urbano critica fato de transporte público no Brasil ser associado a classes baixas. Segundo ele, maioria dos debates sobre mobilidade trata de soluções tecnológicas, quando a inovação deve ser de ordem social.

Evento em São Paulo debate soluções para o transporte e a mobilidade

O Brasil ainda mantém a tradição de privilegiar o automóvel em detrimento do transporte coletivo, e alterar esse panorama demanda não só políticas públicas, mas uma mudança na mentalidade do brasileiro. Essa é a opinião Martin Gegner, do doutor em sociologia urbana da Universidade Técnica de Berlim e professor visitante da USP.

Gegner organizou nesta quarta-feira (09/10) um painel com especialistas brasileiros e alemães para discutir o tema mobilidade em grandes cidades. O debate é parte do 2° Diálogo Brasil-Alemanha de Ciência, Pesquisa e Inovação, evento integrante do Ano Alemanha + Brasil.

“O Brasil ainda vive a influência do ideal modernista de urbanismo, em que as cidades são planejadas em função do carro, com prédios e garagens grandes, com bairros ligados por grandes vias rodoviárias. O grande exemplo disso é Brasília”, diz Gegner, que tem origem alemã.

Metrô de São Paulo em horário de pico

Para ele, esta concepção de metrópole vem sendo questionada há mais de 30 anos na Alemanha, principalmente pelos movimentos verdes. “Os jovens alemães das grandes cidades já não valorizam o carro, mas no Brasil isso ainda é muito forte. É o que chamamos de ‘egomóvel‘, porque não é funcional, é mais um símbolo de status”, defende.

O professor critica ainda a mentalidade da classe política, que, segundo ele, associa o transporte público às classes baixas, focando apenas no preço, sem oferecer qualidade no serviço.

“Na visão dos políticos brasileiros, menos de cinco pessoas por metro quadrado significa que a linha está subutilizada. Isso é um absurdo”, protesta. Ele diz que é preciso tornar o transporte coletivo mais confortável, o que aumentaria a aceitação entre as classes altas.

Engarrafamento em uma das principais vias de São Paulo

Inovações sociais

Gegner acredita que a maioria dos debates sobre mobilidade trata de soluções tecnológicas, quando a inovação deve ser de ordem social. Ele cita como exemplo a bicicleta: “No Brasil ela é vista como lazer e não como transporte. Na Alemanha, as grandes cidades estão cobertas de ciclovias e as pessoas usam a bicicleta para ir trabalhar”.

Por isso, o painel no evento também discutiu a adaptação de projetos de sucesso na Alemanha, como o Car Sharing e o Call a Bike, em que é possível alugar um automóvel ou uma bicicleta por horas ou minutos. “Você procura no celular onde está o ponto mais próximo, busca o carro ou bicicleta, e devolve em outro local da cidade”, explica o professor.

Outro tema abordado no evento é a implementação do veículo leve sobre trilhos, ou VLT, uma espécie de metrô na superfície. De acordo com o especialista, este tipo de transporte é uma solução rápida e barata. “O custo do VLT é muito menor que o do metrô, porque qualquer obra subterrânea é muito cara e lenta. As pessoas associam isso ao bonde de antigamente, mas não tem nada a ver. É um transporte rápido, de massa e confortável”, assegura.

Desde os anos 80, o Brasil passa por um processo de envelhecimento populacional

Envelhecimento populacional

O evento também trata de um fenômeno já conhecido na Europa, mas recente na história brasileira: o envelhecimento populacional. Essa transformação demográfica não deve ser encarada como problema, defende o organizador do evento e o coordenador do Centro Alemão de Ciência e Inovação (DWIH–SP), Marcio Weichert. “Nós queremos pensar, neste encontro, no envelhecimento populacional como uma oportunidade de transformar a sociedade e criar tecnologias para uma vida mais confortável e independente na terceira idade”, diz.

Desde os anos 1980, o Brasil vem passando por uma transição demográfica, em que as taxas de fecundidade caíram e a expectativa de vida aumentou, explica a pesquisadora da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, Sonoê Sugahara, uma das palestrantes do evento. Com isso, há mais pessoas se aposentando e menos jovens ingressando no mercado de trabalho.

Sugahara aponta que o envelhecimento no Brasil acontece em um ritmo mais acelerado. “Os europeus tiveram entre 30 e 40 anos para se adaptar ao salto de 10% para 20% de idosos na população. Nós vamos ter esta mesma alteração em apenas 20 anos”, explica.

O envelhecimento populacional é um desafio para o sistema de previdência brasileiro

Previdência

A mudança demográfica traz desafios para os sistemas de previdência e assistência social. Segundo Sugahara, o modelo brasileiro de previdência é de repartição, ou seja, o que um contribuinte paga é usado na aposentadoria de outro.

Há também o modelo de capitalização, como ocorre na previdência privada, em que a pessoa contribui um valor mensal para ser retirado posteriormente. “No sistema brasileiro, se há mais aposentados que pessoas contribuindo, temos um problema”, afirma Sugahara.

A pesquisadora defende uma reforma previdenciária que, entre outras coisas, determine uma idade mínima para aposentadoria: “Isso já existe no setor público, mas no privado é somente por tempo de trabalho”.

Para ela, isso evitaria uma tendência, que se verifica desde os anos 80, de se aposentar mais cedo. “Além de pararem de trabalhar cada vez mais jovens, as pessoas seguem trabalhando depois da aposentadoria”, justifica.

Construindo pontes

Além de tratar da questão do envelhecimento populacional e da mobilidade, o objetivo do 2° Diálogo Brasil-Alemanha de Ciência, Pesquisa e Inovação, é construir pontes entre cientistas e instituições brasileiras e alemãs.

“Os especialistas se conhecem e podem criar relações acadêmicas de longo prazo e projetos de pesquisa conjuntos”, afirma Weichert.

Com o título “Transformação social – Desafios da Ciência e da Pesquisa”, o evento é organizado pelo DWIH–SP e faz parte do Ano Alemanha + Brasil 2013/14, que promove atividades até maio de 2014.

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