Por: Francisco Saboya
Publicado em: 08/12/2018 em http://www.diariodepernambuco.com.br
Foto: Ricardo Fernandes/DP. |
A ideia de uma Economia Criativa entrou de vez no repertório dos economistas há cerca de 25 anos. Não por acaso, coincidiu com a explosão da internet comercial e o maior acesso às plataformas digitais de produção e divulgação de conteúdos criativos. Por séculos, os universos da arte e cultura, de um lado, e da economia, do outro, excluíram-se mutuamente. Como água e óleo. A criação original nunca fez parte de nenhuma cadeia de valor relevante.
Na verdade, a expressão singular do talento criativo sempre foi vista, e por muito poucos, como um bem etéreo, espiritualmente superior, a ser apropriado por quem já tinha acumulado riqueza suficiente por meio de outras atividades econômicas para seu usufruto. O fluxo de produção cultural era desprovido de lógica econômica, salvo na sua versão massiva e vulgar nascida nos anos 30 do século passado e designada de indústria cultural na década seguinte.
Há explicações convincentes para isto. De fato, parece haver uma incompatibilidade estrutural entre a racionalidade econômica e a intensidade emotiva dos processos criativos. A frieza dos números, o rigor do método, as métricas de resultado destoam da subjetividade, da informalidade e do improviso que caracterizam o modo criativo.
Tomando-se um caso universalmente conhecido, somente nas mãos de Michelangelo, a Capela Cistina passou mais de 30 anos para ser concluída, tarefa que se iniciou com a Criação de Adão (no teto) e terminou com o Juízo Final (atrás do altar). Sob uma perspectiva econômica, este projeto teria sido abortado na largada pelo CFO do Vaticano; mas sob o patrocínio do mecenato papal, surgiu uma das obras superiores do gênio humano. A humanidade se alimenta dessas duas racionalidades. É bom que seja assim.
Seria exageradamente monótona a vida sob a perspectiva de economistas, estatísticos e contadores. E seria também muito mais pobre. Não a pobreza como imagem metafórica de algo qualitativamente inferior ao que poderia ter sido, mas no sentido econômico tradicional, da capacidade de valorização do capital e geração de riqueza. O que teria então mudado nessas últimas décadas? O comportamento do mercado.
Uma das principais mensagens é que, enquanto a economia industrial clássica extrai sua competitividade dos ganhos de escala de produção, a economia da informação faz o mesmo através da escala de demanda, uma vez que o custo da reprodução do produto criativo suportado por imagens, sons, textos e símbolos (por exemplo, um software, um game, um filme de animação, uma música editada em formato digital), basicamente não possui custos variáveis. Um download resolve a questão facilmente a um custo marginal próximo de zero. Daí resulta um esforço tremendo pela busca do padrão de referência no mercado, uma espécie de linguagem universal falada por [quase] todos. Algo como a Microsoft e sua plataforma de apoio a trabalhos de escritório (o MS Office) ou o Google e sua plataforma de busca de conteúdos na internet. Existem vários competidores, mas esses se afirmaram como padrão e estão entre as cinco empresas mais valiosas na bolsa de valores de Nova Iorque.
A economia criativa tem sido vista como uma estratégia de desenvolvimento em uma economia pós-industrial e uma grande oportunidade para países e regiões emergentes, uma vez que não enfrenta grandes barreiras de entrada, em especial as de natureza financeira, bastando apenas o talento empreendedor e a capacidade criativa da população. A despeito da sua importância (países como a Inglaterra têm cerca de 8% de seu PIB e dos empregos ligados aos setores criativos; o Brasil tem próximo de 3%), parece haver distorções na compreensão desse fenômeno.
A economista Lidia Goldenstein alertou, há cerca de três anos, para o risco da redução do significado e do alcance da economia criativa aos limites da cultura. Trata-se de algo maior, que é reconhecer que a estrutura dominante do capitalismo já não pertence mais à velha manufatura, e que a economia que gera valor hoje é aquela ligada à inovação tecnológica e à criatividade. Aliás, a inovação como gênero é a expressão superior da criatividade. Dois comentários sobre essa questão.
O primeiro refere-se à importância da indústria em si. Não se trata de negá-la, mas sim, de compreender que, apesar de vir reduzindo no conjunto sua participação na produção da riqueza global, existem segmentos industriais dinâmicos, de alto valor agregado, intensivos em inovação tecnológica, processos digitais e serviços combinados, a exemplo da robótica, da biotecnologia e da nanoeletrônica. Pensando objetivamente no Brasil, vamos mal nesse capítulo.
A despeito do BNDES ter concluído há pouco mais de um ano estudo para formulação de uma estratégia nacional de Internet das Coisas, o fato é que inexiste uma política combinada para o desenvolvimento da indústria e do setor de serviços tecnológicos no País. E isso é culpa de uma agenda antiquada, com cara dos anos 50 do século passado, que, como foi visto inclusive nestas ultimas eleições, reduz o debate econômico às antigas disputas intelectuais entre desenvolvimentistas e liberais.
Francisco Saboya é economista, professor da UPE e foi presidente do Porto Digital entre 2007 e 2018.