Demitido vende ′brigadeiro intelectual′ na rua Augusta
por RAFAEL MACHADO e RICARDO LERMAN
Em vez de táxi ou Uber, ele transporta passageiros com conforto, cobrando pouco. Já foi animador de plateia e se pintou de Blueman para atrair clientes a uma loja de celulares, mas o que dá mais lucro são os doces.
Seu “brigadeiro gourmet” –feito com brigadeiro pronto Moça– é vendido todas as noites na rua Augusta, no centro de São Paulo. Para atrair a clientela que ele define como “intelectual”, embrulhou os doces em papéis com desenhos que lembram os do artista pernambucano Romero Britto.
Capricha também no próprio visual: camisa Aleatory, calças Blue Steel e tênis New Balance. Nas noites de sábado, as mais movimentadas, diz tirar R$ 200 de lucro.
O cotidiano de Kleber revela uma faceta cada vez mais comum no país: a prática de bicos. Com expectativa de que a crise econômica corte mais de 1 milhão de vagas de emprego formal até o fim de 2015, os pequenos trabalhos temporários adotados para complementar a renda se tornaram uma alternativa recorrente nos últimos meses.
A porcentagem de pessoas que trabalham por conta própria e que têm rendimentos inferiores a R$ 1.300 por mês já é a maior em oito anos, de acordo com o IBGE.
Segundo dados da FGV, pela primeira vez em dez anos a economia informal do país, que hoje movimenta R$ 826 bilhões, valor equivalente ao PIB da Argentina, deve crescer. Atualmente Kleber faz parte dessas estatísticas, mas, se o sucesso continuar, pretende constituir uma microempresa e oficializar os negócios.
“Estou fazendo o que posso para vencer a crise, mas vencer com ousadia”. O jovem de Suzano (Grande São Paulo) não deixa transparecer a rotina puxada que leva para tocar suas empreitadas. Foi demitido dois meses depois de ter comprado um Honda Civic usado, em dezenas de parcelas.
Até hoje sem rádio, o carro era um sonho antigo. “Fiquei desempregado num momento em que o mercado de trabalho está agressivo”, conta. Com os brigadeiros, sonha em pagar as dívidas, viajar para o Canadá, aprender inglês e “ganhar em dólar”.
Talento para vendas não lhe falta. Acredita que as forminhas coloridas ajudam porque os frequentadores da Augusta são “intelectuais.” Não tem dinheiro? Ele saca do bolso uma máquina de cartão, em gesto que lembra um caubói de faroeste.
A surpresa desarma a pessoa, transformada rapidamente em cliente. Sorri sempre e mantém o bom humor (“minha avó não está doente, mas você pode me ajudar nessa crise…”).
Fora da vista dos clientes, ele resume: “Tem que aproveitar. E não me vem falar de crise… A pessoa gasta R$ 12 em uma Stella [Artois, cerveja belga] e não tem dois pra comprar um brigadeiro?”. Cochicha isso para a reportagem, abre um largo sorriso e já puxa papo com três possíveis clientes descendo a rua. Eles contam as moedas e levam dois doces cada um. Do Romero Britto.
Fonte: Folha Online – 28/11/2015